O conceito de saúde baseada em valor está ganhando cada vez mais força em todo mundo. Um novo sistema que com o uso das tecnologias digitais consegue recolocar o paciente no eixo central do atendimento.
Responda rápido: o que realmente tem valor quando se fala em saúde?
Por muito tempo, a propaganda que orbitava a área da saúde levou a maioria das pessoas a acreditar que “Valor” em saúde é poder contar com alta tecnologia, helicópteros para resgate e uma série de coisas de custo elevado.
Mas a realidade não é essa.
Desde 2006 existe uma importante movimentação mundial no sentido de consolidar o conceito de saúde baseada em valor, que derruba condutas e sistemas meramente financeiros e técnicos, com o objetivo claro de humanizar a medicina e colocar o paciente no foco dos atendimentos.
O conceito requer visão de longo prazo, cujo eixo principal não está só na cura de doenças, mas na melhoria da saúde por meio de ações preventivas e contínuas.
Portugal e Inglaterra já implantaram o novo sistema com sucesso há algum tempo, após adaptações à realidade e cultura de cada país.
No Brasil, a assim como em outros países, a pandemia acabou por revitalizar o debate em torno da questão. A expectativa é que, de alguma forma e num futuro breve, a crise desencadeada pela Covid-19 também sirva de trampolim para acelerar e motivar as mudanças necessárias rumo à transformação do sistema.
Serviços de saúde x Valor
O cuidado baseado em valor surgiu como uma alternativa ao modelo tradicional baseado em serviços. Leva em conta a qualidade, e não a quantidade do trabalho executado na área da saúde.
E aí está um dos maiores desafios do Brasil e do mundo nos dias atuais, justamente por envolver questões políticas e éticas no debate.
As diferenças entre os dois sistemas são profundas.
É comum, por exemplo, no modelo tradicional, tratamentos excessivos gerados por incentivos indevidos, custos e orçamentos descontrolados, dados desorganizados, falta de acompanhamento longitudinal do paciente.
A forma de pagamento é por serviço executado e os provedores recebem pela quantidade de procedimentos que realizam. Toda a experiência do paciente é, portanto, desconsiderada.
Médicos são estimulados a pedir mais e mais exames e procedimentos e são recompensados diretamente pelo volume de atendimento.
A Saúde Baseada em Valor propõe a completa reestruturação dos sistemas de saúde com a organização e a integração das suas unidades e, principalmente, a mensuração e avaliação dos resultados e dos custos de cada paciente.
E é fato que softwares de gestão com sistemas de mensuração, acompanhamento e cruzamento de informações são essenciais para pautar as novas condutas.
Na Saúde Baseada em Valor tudo é impulsionado por dados. Os provedores reportam aos pagadores métricas específicas e precisam demonstrar melhorias, tanto em termos clínicos, quanto na experiência do usuário.
E o mais importante : os prestadores são pagos de acordo com os ciclos de cuidado e pelos resultados que proporcionam para os pacientes .
Tudo isso resgata não só a chamada medicina baseada em evidências como também a necessidade de todos os elos da cadeia compartilharem responsabilidades e riscos.
Transição e transformação digital na saúde
De acordo com os especialistas em gerenciamento dos sistemas de saúde, a transição para um modelo de valor ainda levará alguns anos e vai exigir ainda um profundo amadurecimento na área de gestão.
Para que isso aconteça é necessário o desenvolvimento de plataformas e outras tecnologias que atuem como facilitadoras no processo.
De acordo com os estudiosos de gestão em saúde, a transformação digital é o caminho desde que a tecnologia seja utilizada como meio de viabilizar saltos de eficiência e melhoria na qualidade ao paciente, o principal interessado na mudança.
Todas as estratégias para colocar o paciente no centro do negócio devem passar por uma medicina mais humanizada e segura. Ao mesmo tempo, precisam estabelecer contratos claros entre as operadoras e os prestadores de serviço e obviamente, implantar modelos de remuneração com foco nos resultados.
O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), especialista em gestão da Saúde Carlos Sverdioff, explica em seus trabalhos sobre o assunto que a aplicação de conceitos de Experiência Relatada pelo Paciente (Patient Reported Experience, PREMs) e Desejos Reportados pelo Paciente (Patient-Reported Outcome Measure, PROMs) são fundamentais para aprimorar a assistência.
Ele demonstra que o cuidado envolve uma série de processos como hotelaria, faturamento e tratamento. Segundo o professor, todos podem ser avaliados em relação à experiência do paciente e o valor de cada um deles medido para se chegar ao resultado final.
Medir saúde
Para aplicar o modelo é preciso monitorar os pacientes com tecnologias que meçam saúde.
Caso contrário, os especialistas dizem que seria necessário um grande volume de consultas periódicas e uma infinidade de profissionais e sistemas trabalhando exclusivamente com gestão de dados.
Outro alerta para mudar o quadro atual é criar mecanismos de acompanhamento e geração de indicadores confiáveis para grandes populações e não apenas para cinco ou 10 pacientes.
Com isso é possível detectar comportamentos “anormais” ou fora de padrão. Na prática as tecnologias identificam as exceções em parâmetros já estabelecidos.
Dessa forma, o médico pode atuar estritamente onde faz diferença, evitando tarefas burocráticas e ainda melhorando a sua produtividade.
Em suma, o sistema de saúde baseado em valor não é utopia. Ao contrário: é capaz de mobilizar toda a cadeia para tomar decisões responsáveis e a realizar de fato um gerenciamento clínico mais eficiente, com iniciativas que promovam a saúde das pessoas, antecipando problemas.
Quanto mais coordenado, apropriado e eficaz o tratamento, melhores são as recompensas, e maior é a sustentabilidade econômica do setor.